João Abreu coloca ponto final na carreira de jogador. No momento de oficializar a decisão, o capitão da Oliveirense Basquetebol, olha para o passado com orgulho e emoção. Destaque para a última época, marcada pela conquista do campeonato nacional.

O começo da aventura

“A aventura no basquetebol começou muito cedo, praticamente à nascença. Na minha casa o desporto que se respirava era, e é, o basquetebol. A minha mãe, a minha tia também, o meu irmão jogaram. A minha mãe levava-me ao pavilhão da AD Sanjoanense ver os jogos. Era difícil não estar ligado ao desporto, mais concretamente ao basquetebol.
O meu irmão sempre foi uma referência para mim, acompanhava-o em todos os jogos. A possibilidade de nos intervalos poder bater umas bolas, o contacto com os jogadores, despertou em mim o gosto pela modalidade. Ainda antes de entrar no mini basket, a minha mãe recorda-se de eu, em casa da minha avó, recriar situações de jogo. Utilizava os gatos da minha avó como se fossem jogadores”.

Formação dividida entre S. João da Madeira e Oliveira de Azeméis

“Com 4 ou 5 anos iniciei o meu percurso no mini-basket da ADS. Os meus primeiros treinadores foram o Rui e a São, um casal, que desempenhou um papel muito importante. Para além de manterem a chama acesa, começaram a definir regras e a orientar-me sobre como praticar a modalidade. Tanto na passagem na Sanjoanense, como na passagem pela Oliveirense, tive muitos treinadores que me marcaram pela positiva.
Na passagem pela Oliveirense, o coach Henrique Vieira acabou por ter um papel preponderante, porque naquela idade, onde eu dizia que queria ser jogador profissional mas que não sabia como, ele foi capaz de me orientar. Reconheço-lhe muito valor por tudo o que fez por mim”.

Os primeiros passos enquanto sénior

“Os primeiros passos foram um desafio. Chego da ADS, dos juniores, do meu grupo de amigos. Foi um choque de realidades, porque começo-me a integrar num plantel sénior, com 17 anos, um dos melhores do nosso basquetebol. Percebo que tinha de melhorar muito, era aqui que queria estar mas sentia que não sabia nada, pois a competição era diferente. A competição era diária e existia uma necessidade constante de superação. Esse primeiro ano foi muito importante, foram meses duros, de subir muitos degraus”.

Momentos altos, baixos e batalhas de superação

“Felizmente, ao longo da minha carreira, tive muitos momentos altos. No entanto, esses momentos, são acompanhados por momentos mais difíceis. As derrotas e os jogos menos conseguidos são difíceis de digerir. Ainda assim, são importantes para que as vitórias possam ser mais saborosas.
Os piores momentos da minha carreira, ficam ligados às lesões, mais especificamente uma lesão grave que tive na transição para o FC Porto. Da forma como foi colocado o quadro clínico, seria um milagre conseguir voltar a jogar. Foi o momento a partir do qual tive que começar a perspetivar a vida de forma diferente. Estive praticamente um ano sem jogar, houve a possibilidade de terminar a carreira.
Estando ligado ao basquetebol desde criança, tive dificuldade em dissociar o João Abreu jogador, e o João Abreu cidadão comum. Com a minha família, fomos bater à porta de todos os médicos, para poder voltar a jogar. Depois iniciei um processo para regressar ao court, processo que se mantém até ao dia de hoje. Foi difícil, condicionou-me enquanto jogador profissional, na negociação de contratos, mas fez-me crescer, enquanto jogador, porque me obrigou a alterar aspetos do meu jogo. Enquanto homem, a questão da superação, eu vivo para transformar momentos maus em bons. É algo de família. Foi uma batalha ganha”.

Ambiente de balneário como chave para o sucesso

“O ambiente no balneário não foi sempre o mesmo. O objetivo comum, o sucesso coletivo, devia sempre ser a linha que guia o grupo, mas nem sempre é assim. Logicamente, o contexto dita muita coisa. É diferente o contexto de uma equipa que joga SNB2, um grupo de amigos de longa data, e o contexto de uma equipa totalmente profissional, com jogadores de toda a parte do mundo.
À medida que, do ponto de vista competitivo, fomos subindo, introduzimos jogadores novos, que não conheciam a realidade do clube, não conheciam a cidade. Fomos aprimorando aquilo que era a nossa forma de estar, os mais experientes proporcionarem aos outros a confiança necessária, para que se sintam bem, e que possam dar o seu melhor dentro de campo.
O último ano foi excecional nesse sentido. Os jogadores novos foram muito bem integrados, grande parte do nosso sucesso é isto. Do ponto de vista das condições, estamos, ainda, longe do FC Porto e do SL Benfica, mas o nosso grupo era muito bom, muito coeso. O coach Henrique Vieira dizia que não era preciso nos darmos todos bem para ganhar mas, se tal acontecesse, estávamos um passo à frente. Mesmo nos momentos de adversidade fomos capazes de manter tudo ao mesmo nível, colocando sempre a equipa à frente do “eu”. Os bons resultados ajudam.
Fui ganhando alguma experiência sobre como me movimentar dentro do grupo, o que dizer, porque, apesar de o objetivo ser o mesmo, as abordagens com cada um não deve ser a mesma. Este trabalho deve ser feito tendo por base, sempre, a confiança. Eu consigo ser muito filho da mãe, porque jogo para ganhar. Incuto sempre a questão da responsabilidade, este é o nosso trabalho. Ainda assim, há que saber gerir esta atitude, pois há situações inesperadas e negativas, e devo ter a sensibilidade de saber como chegar aos meus colegas. Ao longo dos anos, com diferentes balneários, diferentes treinadores, colegas e capitães, sinto que aprendi a agir desta forma, o que foi fundamental”.

 

O ano de ouro

“Foi o ano que conseguimos algo inédito, algo que já se tentava há muito tempo. As finais perdidas, deixaram marca no clube e nas pessoas de Oliveira de Azeméis. No entanto, havia a certeza que um dia iria acontecer. Para mim foi muito especial, e um orgulho, fazer parte da equipa que alcançou esse objetivo. Foi uma época muito difícil, marcada por uma lesão que pôs em risco a continuidade da época, a partir de março. A solução viável era fazer uma cirurgia e terminar a carreira. Na altura, deixou-me angustiado. Sabia que estava nos momentos finais da minha carreira, mas a forma como a equipa estava a jogar e a competir com as outras equipas, fez-me sentir que podíamos ganhar algo. Junto dos médicos percebi de que modo podia ajudar, estar presente. Foram momentos de muita frustração, pois fez-me voltar a uma altura da minha vida em que existia dor, sempre. Senti que perdi caraterísticas a nível motor, o que me limitava. Chegava ao final do dia esgotado e frustrado. No entanto, o facto de termos conseguido vencer, colocou tudo isso para trás, e sinto que valeu a pena ter colocado a minha saúde em risco. Sendo da área da fisioterapia, tinha perfeita noção da decisão tomada. Já tinha sido campeão pela Ovarense, na Liga Profissional de Basquetebol, mas aqui foi no meu clube, com os meus, o que tornou o momento mais especial. Todos estes aspetos fizeram desta época, uma época muito especial. Foi a vitória mais especial da minha carreira”.

A memória mais marcante

“Recordo-me de na última final contra a PT, com o pavilhão cheio, no pós- jogo, eu ainda naquele limbo, a questionar sobre se realmente, a nível profissional, era isto que pretendia fazer, perceber que sim, era isto que queria da minha vida. Quando ganhámos, este ano, o último jogo no Porto, veio-me à memória todo o percurso feito. São 30 anos a competir, de ligação ao jogo. Aquele momento, em que termina o jogo, foi especial”.

Oliveira de Azeméis, os oliveirenses e o basquetebol

“Oliveira de Azeméis é uma cidade ligada ao desporto, muito ligada ao basquetebol. Nas finais tivemos um apoio transcendente, resultado do trabalho desenvolvido ao longo da época.
Joguei aqui em divisões inferiores, e o pavilhão não estava nada composto, mas as pessoas continuavam a apoiar. Os oliveirenses são um público conhecedor, tendo noção do que se passa dentro do campo, o que aumenta a nossa responsabilidade. Isso é importante para nós. É um público afetuoso, em todos os momentos. Espero que cada vez mais o possam continuar a fazer.
Sempre disse que para quem vê é entretimento mas, nem sempre, lá dentro, as coisas correm bem. Ao sentir energia proveniente das bancadas, ganhamos força para nos superarmos. Acredito na superação, o público de Oliveira de Azeméis sempre nos ajudou, foram um ponto chave no sucesso que tivemos esta época”.

 

O dia seguinte

“Se pudesse, jogava basquetebol até não dar mais. Como jogador, é o momento certo para colocar o ponto final. Tenho interesse, penso que o clube também, de prolongar a nossa ligação. Para além de jogador de basquetebol, consegui conciliar a modalidade com a parte académica, algo que a Oliveirense também me permitiu. Sou fisioterapeuta e a ideia é investir nessa área, de preferência no desporto, ligado ao basquetebol e a este clube. A Oliveirense deve começar a dar passos no sentido de providenciar condições e estruturas para que o sucesso desportivo não seja um ato isolado”.

 

Sentimento oliveirense e um pedido

“Agradecer a forma como fui recebido nesta terra, no clube. Não é fácil para um miúdo de um clube rival chegar a Oliveira e ser recebido da forma como fui. Sempre senti apoio, em todos os momentos, o que me deixou confortável e me ajudou a alcançar a carreira profissional. Agradecer a todos que se mantiveram fieis ao clube.
Não escondo que sou de S. João da Madeira, mas sinto-me oliveirense, pela ligação estabelecida com o clube e as pessoas. Penso que esta cidade tem capacidade para albergar todo o tipo de modalidades.
No que diz respeito ao basquetebol, não apenas apoiar a equipa sénior. Temos de saber capitalizar o sucesso desportivo da equipa sénior para poder criar melhores condições na formação. O basquetebol foi um veículo para mim, cheguei onde nunca pensei chegar. Apoiar a equipa sénior e a formação é criar condições, que não são exclusivamente do foro financeiro. É dar a possibilidade aos nosso miúdos de, ao mesmo tempo que praticam uma modalidade, da qual todos nós gostamos, serem homens e mulheres bem integrados na sociedade”.

Obrigado João Abreu! Serás sempre um de nós, continuamos juntos.